domingo, 24 de setembro de 2017

A polêmica necessidade do laudo

            

A recente discussão sobre o tema na interdisciplina de Educação de Pessoas com Necessidades Especiais provocou debate acirrado e não poderia ser diferente. O assunto é polêmico e gera polêmica. Necessidade especial não é sinônimo de laudo e não porque não se perceba as dificuldades ou necessidades especiais das crianças observadas. Laudo não é obrigação. Há muito mais envolvido do que o simples fato em si. Envolve não apenas a criança e suas particularidades, envolve a família e a dificuldade em aceitar a dura realidade, que significa, na maioria das vezes, um acompanhamento e uma dependência eterna da criança. Os sentimentos envolvidos são de confronto emocional extremo para os pais: De um lado, o amor dos pais pelo filho e tudo aquilo que desejaram e sonharam para criança e do outro, a negação por esse filho diferente que ninguém planejou, ninguém espera e ninguém sabe como lidar.
Há ainda a questão do despreparo da escola em lidar com a situação: Por vezes, a escola se cala para evitar o confronto maior e o choque dos pais, que pode gerar um colapso de enormes proporções. Deve-se levar em conta também, o apoio insuficiente do governo, em todos os sentidos, esse apoio é mínimo: tanto para a criança quanto para a família. Em relação aos educadores, o descaso é total. Não há apoio estrutural humano e nem apoio emocional. Impotentes diante das situações conflito que surgem na já estafante rotina da educação infantil, impotentes em estimular a aprendizagem da criança como sabem que seria o certo e com a falta de apoio da família e da escola, os educadores adoecem com frequência.  O desgaste sofrido em todas as turmas provoca um ciclo de doenças, provocadas principalmente pelo stress constante. Adoecem os educadores, adoece a família, adoece a escola e adoece ainda mais a criança, que nesse turbilhão de desassistidos, fica ainda mais necessitada de um apoio que não vem, apesar de ser garantido por lei.
A inclusão é uma realidade, mas inclusão não é apenas abrir as portas da escola e do nosso trabalho para as crianças com laudo, crianças com necessidades especiais sem laudo são também uma realidade, ainda que não registrada oficialmente. O isolamento delas, a solidão delas, as dificuldades ignoradas delas, a angústia e o medo delas são nossos também.  Somos invisíveis para o governo e reais em nosso mundo. Essa invisibilidade não quer dizer que a gente apoie o exagero que inclui laudos precipitados, a propagação de laudos, a segregação da aprendizagem, a delimitação das possibilidades do sujeito, o laudo como preconceito, o laudo como rótulo e o laudo como redutor de expectativa e de possibilidade de aprendizagem. Uma das maiores conquistas da LBI (Lei Brasileira de Inclusão) é a mudança de entendimento no conceito de deficiência que agora não se refere mais à pessoa, mas aos espaços deficientes para incluir a todos. A escola como espaço de educação deveria estar preparada para receber, atender e educar à todas as crianças, se não está, precisamos rever nossos conceitos de estrutura e de trabalho.

Referências:
Vídeo: O papel da escola, do professor e da educação inclusiva. Professor Carlos Bernardo Skliar. USC TV 2017. Disponível no YouTube.
Reportagem: O bom professor não usa laudo como desculpa. Leandro Beguoci. Revista Nova Escola. 

domingo, 17 de setembro de 2017

Filosofia da Ética na Educação

                         

O conhecimento filosófico tem como origem a capacidade de reflexão. Na interdisciplina de Filosofia da Educação fomos chamados a refletir sobre a ética, analisando diferentes abordagens e conceitos: Arte de viver x Arte de conviver; Pensamento x Ação; Individualidade x Coletividade; Fato X Interpretação; Ética x Moral; O eu x O outro; Teoria x Prática; Falar x Fazer; Diálogo x Ordem; Fala x Escuta; Educação x Doutrinação.
O texto “Ética a Aprendizagem na Arte de Viver,” de Nadja Hermann, nos fala essencialmente da arte de saber e aprender a viver. Utilizando ideias e pensamentos filosóficos conhecidos a autora sugere como a filosofia da educação pode ser trabalhada como a arte de viver. A filosofia pode auxiliar na formação ética por meio da reflexão em relação à própria vida, mas não no sentido de doutrinar a um modelo de comportamento ético moral pré-estabelecido. Não significa ignorarmos individualidades. A arte de viver e a filosofia misturam pensamento, emoção, sensibilidade, sentimento, história da memória e da pele. 
O aforismo "Conhece-te a ti mesmo", escrito na entrada da parede do templo de Delfos, construído em homenagem à Apolo, o deus grego do sol, da beleza e da h é um conselho para o homem. Apolo está a nos lembrar da importância do autoconhecimento para ser feliz e encontrar a harmonia e a felicidade na vida. Nadja traduz a arte do viver.
Márcia Tiburi também nos fala sobre ética e filosofia, mas através de outra abordagem, que é o significado e a tradução da ética em ação: "Ética é o que fazemos aos outros." Márcia nos lembra que para existir eu, tem que existir o outro e que respeitar o direito do outro é respeitar o meu  próprio direito. O vídeo é um chamado para a ética, no sentido de coletividade e convivência do individuo na sociedade. Em outras palavras: Todo mundo quer ser feliz, mas ninguém é feliz sozinho. É preciso conviver com os outros. Márcia Tiburi traduz a arte do conviver.
Individualidade e coletividade não são conceitos antagônicos. Viver e conviver são verbos e ações conjugados e compartilhados conjuntamente em nossa rotina como humanos. Nosso desafio como professores, está em provocar reflexão sobre essa relação entre o que é particular e singular e o que é social e coletivo. Essa reflexão constante é a essência da arte do viver e conviver. Muitas vezes, esquecemos que educar para moral é diferente de educar para a ética. impor regras de convivência é completamente diferente de conversar e refletir sobre.
Conhecer nossos alunos e respeitar suas singularidades pode ser o começo para educar para a ética, não apenas em pensamento, mas em transformação. A educação para a ética não pode ser traduzida como a obrigação para a ética. Não basta obrigar a fazer o que é certo. Nosso objetivo como professores deve ser o de educar para a compreensão, pensamento e ação do que é certo e bom para o eu e para o outro. A educação da ética não começa pela cobrança da ação e do resultado, começa pela autonomia, pelo respeito à identidade e à diversidade, pela escolha, começa pela liberdade já dizia Sartre:

"A liberdade é o fundamento de todos os valores." (Jean Paul Sartre)

Referências:
HERMANN, Nadja. Texto "A Aprendizagem na Arte de Viver."
TIBURI, Márcia. Vídeo "Ética e Filosofia.'

domingo, 10 de setembro de 2017

Preconceito e Autoestima

                           
            
            “A educação é um ato permanente.” (Paulo Freire)

Todos nós somos desafiados a trabalhar a questão do preconceito, do racismo, da desigualdade social, da não aceitação do outro e de si mesmo em nossas escolas.  Educar para as relações étnico-raciais é educar para as diferenças e para a diversidade. O respeito à cultura, a corporeidade, a estética e a presença do outro são fundamentais nesse processo.
Na turma em que trabalho, maternal 2, surgiram diversas situações envolvendo atitudes preconceituosas em relação a cor da pele, cabelo, beleza, feiura... Situações que revelaram para nós educadoras, não apenas o preconceito do outro, mas a baixa autoestima que algumas crianças têm de si mesmas... A desvalorização de si mesmo é social e cultural. De acordo com Gomes:
No Brasil, foi construído ao longo da história, um sistema classificatório relacionado com as cores das pessoas. O cabelo, transformado pela cultura como sinal mais evidente da diferença racial (...) nesse processo, as cores “branca” e “preta” são tomadas como representantes de uma divisão fundamental do valor humano – “superioridade” / “inferioridade”

O Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil (RCNEI, 1998) nos diz que a autoestima que a criança vai se desenvolvendo é, em parte, interiorização da estima que se tem por ela e da confiança da qual é alvo. O que fazemos em sala de aula, o que dissemos, o que propomos e o que ignoramos, silenciamos ou negligenciamos em torno dessa questão pode perpetuar preconceitos ou despertar a valorização das diferenças e da autoestima. 
Depois de discutir o assunto em nossa reunião de equipe, decidimos planejar nossas ações e atividades nesse sentido. Foi assim que nasceu a ideia de envolver as famílias na atividade que tem como objetivo a desconstrução dos preconceitos em relação à beleza e a valorização das diferenças que nos tornam únicos a todos nesse mundo. Cada criança recebeu um boneco de pano em tecido cru, de cor neutra, para junto com a família reproduzir a si mesmo.
Passados alguns dias, o retorno nos surpreendeu. Algumas crianças reproduziram nos bonecos de pano suas características de forma tão real que eram prontamente reconhecidos pela turma: “Mas tá igualzinha Ane. Nem precisava dizer que é tu.” “É o teu cabelo , tem cachinho Cauê.” “O boneco do Joaquim tem olho verde e tá gordinho. É ele.”  Outros não foram reconhecidos pela turma: “Mas Duda, esse cabelo não é o teu. Tá liso e o teu é crespo.” “Mas eu fiz chapinha na minha boneca para ela ficar bonita.” “Erick tu não é branco, mas o teu cabelo tá igual, que nem o do Neymar.”
Vale dizer aqui, que nenhuma das crianças negras pintou a pele do boneco para evidenciar sua cor, mostrando que temos muito caminho a percorrer e muito que trabalhar nesse sentido com as crianças e com as famílias.
Seria muito fácil fazer as crianças pintarem os bonecos da cor que nos faria sentir politicamente corretas e liberadas da situação problema, mas decidimos seguir em outra direção. A direção do fazer pensar, questionar, aprender, criticar, decidir,  escolher, mudar e transformar.
Por isso, os bonecos viraram chamadinha e são reapresentados diariamente na roda com elogios diários sobre a beleza e as diferenças de cada um: “O cabelo do Cauê tem cachinho, parece um anjo.” “O Erick tá lindo com essa roupa de jogador de futebol.” “O cabelo da boneca da Duda tá lindo, mas o da Duda é muito mais bonito.” A roda tem sido uma aliada na discussão e aprendizagens sobre nossas diferenças. “Tem cachinho grande e pequeno.” “Tem cabelo liso e crespo.” “Tem pele negra e branca.” “Tem pele mais clara e mais escura.”  “Tem cor de pele de um monte de jeito.” "Tem cabelo de todo o jeito." “Eu posso cortar meu cabelo e alisar.” “Eu também sou bonito.” “Todo mundo é diferente.” “Todo mundo é bonito.”


REFERÊNCIAS:


SECAD- Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade. Orientações e Ações para a Educação das Relações Étnico- Raciais. Brasília, 2016.

Além da Caverna

                                 Resultado de imagem para impacto das redes socias  na vida charge

Quando pensamos que a escolha entre o mundo virtual e o mundo real é uma discussão ou escolha de nossos tempos modernos, Leandro Karnal nos lembra que a essa decisão remonta à Antiguidade, ao “Mito da Caverna”, nos fazendo pensar sobre como interpretamos e decidimos sobre o que vemos e dividimos nas redes sociais e de como nossa interpretação e percepção desse mundo trafega entre o irreal e a realidade. Fundamental a questão do tempo nessa avaliação. O tempo, não visto apenas como o tempo das redes sociais, mas o tempo de cada indivíduo, o tempo da geração do indivíduo. Para enxergar superioridade no mundo real é preciso ter tido e ter contado com o mundo real, ter sido educado para poder escolher e preferir o contato com o outro ao vivo e não o intermediado por uma máquina. Essa fala para mim é o principal ponto da questão.
Não se trata de ignorar os avanços proporcionados pelo mundo virtual e pelas redes sociais, mas realmente, não há bônus sem ônus. Se “estudar é uma atitude frente ao mundo”, como nos recorda o texto “O Ato de Estudar”, há que refletirmos sobre o nosso trabalho como educadores nesse processo, que envolve acima de tudo educar, não apenas para transmitir informações e repassar conhecimentos, mas para libertar o pensamento, escolha e opinião dos nossos alunos para poderem decidir de forma crítica sobre as imagens que estão além da caverna.
Como aqueles que ensinamos terão o poder de escolha, senão proporcionarmos conteúdo, razões e possibilidades de aprendizagem que proporcionem reflexão sobre o mundo real e o mundo virtual? O texto “Trabalho da Crítica do Pensamento”, nos diz que o uso da razão é fundamental para a crítica e que a crítica não é dona da verdade, mas antes de tudo, uma interpretação, uma forma de pensar sobre o assunto. Razão exige pensamento, percepção, reflexão. Reflexão exige tempo, autocrítica e redução do narcisismo, que é exatamente que nos falta nas redes sociais.
Precisamos encontrar uma relação entre os dois mundos: o de dentro da caverna e o de fora da caverna, entre o mundo real e o mundo virtual. Encontrar um jeito de vencer o medo e a ilusão das sombras, romper nossas próprias correntes, nossos preconceitos, nossas ideias pré-estabelecidas sobre tudo e sobre todos. Precisamos parar de ter aquela velha opinião formada sobre tudo. 
Se nem todas as imagens que vemos fora da caverna são reais, se nem tudo que vemos nas redes sociais é real, que agente tente colocar verdade naquilo que entendemos como é e pode ser a educação, que agente possibilite aos nossos alunos irem além da caverna e que a gente se permita também, ir além da caverna.

REFERÊNCIAS:

HÜHNE, Leda Miranda. O ato de estudar. Editora Agir, RJ:1992.
Texto: O Trabalho da crítica do Pensamento. Marilena Chauí.
Vídeo: Oimpacto das redes sociais na vida das pessoas.Leandro Karnal. Disponível no youtube.


domingo, 3 de setembro de 2017

História Educação e Inclusão

                             
                                   Inclusão é aprender junto sendo diferente

A história das pessoas com deficiência é uma história de preconceito, falta de oportunidades, negligência, omissão, exclusão, cegueira e surdez social, política e econômica. Conhecer a história é fundamental, não apenas para aprender sobre o passado, mas para compreender o presente e pensar sobre a escola que temos e a escola que queremos ter como espaço democrático e realmente inclusivo para todos os sujeitos.
É através da educação e dos movimentos de luta que os invisíveis se tornam não apenas visíveis, mas parte real do fazer, do pertencer e do ser.  É fundamental que nos apropriemos da questão da inclusão como um todo: história, legislação, educação, movimentos de luta, realidade e transformação. Essa apropriação de conhecimento passa pelo diálogo e pela discussão dos processos inclusivos nos espaços escolares.
A inclusão faz parte da realidade escolar e na escola inclusiva os alunos aprendem a conviver com as diferenças e valorizar potencialidades. Nessas diferenças não estão incluídas apenas as crianças com deficiências, mas as crianças discriminadas pelos preconceitos, excluídas das brincadeiras, crianças sem auto estima, superdotados negligenciados. Nosso desafio é educar para conviver com as diferenças, mas como educar para conviver com as diferenças se nós também não fomos educados, nem temos formação para isso?
A história não aponta soluções, mas nos fornece bagagem para seguir em frente e nos propõe reflexão sobre nosso pensar e fazer pedagógicos. Precisamos aprender a não reduzir o aluno à sua deficiência. Cada aluno carrega dentro de si uma história e particularidades que o tornam único. Mudar o nosso olhar, vendo primeiro o aluno e depois a deficiência pode ser o primeiro passo para trabalhar com a inclusão em sala de aula.   


REFERÊNCIAS:

Vídeo: História do Movimento Político das Pessoas com Deficiência no Brasil. Encontrado no you tube: https://www.youtube.com/watch?v=oxscYK9Xr4M

Texto: História Geral do Atendimento à Pessoa com Deficiência. Retirado de: Rodrigues, Olga Maria Piazentin Rolim. Educação especial: história, etiologia, conceitos e legislação vigente / Olga Maria Piazentim Rolim Rodrigues, Elisandra André Maranhe. In: Práticas em educação especial e inclusiva na área da deficiência mental / Vera Lúcia Messias Fialho Capellini (org.). – Bauru: MEC/FC/SEE, 2008.