domingo, 8 de julho de 2018

Sementes do Nosso Quintal

“Um belíssimo trabalho, sensível e profundo sobre a educação de filhos, pais e professores. Um quintal que traz à tona várias questões da infância e onde nem sempre temos todas as respostas, mas a busca delas.”(Laís Bodansky/Cineasta)

Estou participando do I Ciclo de Cinema e Debates: Pensando a Educação no Século XXI, promovido pela Universidade de Caxias do Sul e o que estamos fazendo neste ciclo é debater sobre as questões da educação tendo como ponto de partida a abordagem de filmes como o delicioso documentário “Sementes  do Nosso Quintal". O documentário nos faz encarar a infância de frente. Alguns participantes do debate questionaram a metodologia da escola que aparece no filme, a TeArte, onde não há separação por idades e as crianças aprendem a se constituir enquanto sujeitos em meio a natureza, a arte e a cultura popular. Sobre as crianças entenderem ou não, se à elas é explicado corretamente ou não, se falta no proposto algo além do brincar, creio que são perguntas cabíveis em qualquer Pedagogia ou Epistemologia da Educação.
O que acho de vital importância aqui é o contado direto com as coisas da natureza, essa ligação natural com as coisas da terra, com as plantas, com os bichos, com a comida, que tantas vezes a escola nega às crianças, por falta de espaço ou por falta de reflexão, com a cultura popular que se  perde, porque ninguém a repassa, com a história que não é contada, com a música não cantada e não mostrada, essa música que trabalha múltiplas linguagens e capacidades e que em nossas escolas, às vezes e muitas, é considerado artigo de luxo, com a liberdade corporal, porque o corpo é expressão de nós todos e da criança pequena mais ainda, com o real sentido de escola democrática, que conta com a participação dos pais e de toda a comunidade, mas cobra  a responsabilidade de todos, porque a escola é educação, mas a educação é pluralidade.
Gosto imensamente da fala direta da professora Thereza Soares Pagani, a “Therezita” (educadora e idealizadora da Tearte), pedindo aos pais para não tercerizarem o cuidado com os filhos, porque acredito que o papel da família é intransferível e na nossa sociedade, a família, infinitas vezes, parece colocar sobre a escola, a parte que lhe cabe nesse latifúndio. Filho é filho e aluno é aluno, embora a educação permeie e transpasse sujeitos.
O que fazemos na Educação Infantil não é o explicar tudo como se deve. Até porque quem diz como se deve explicar tudo e qual a maneira certa de explicar tudo? Ela existe de fato? O porquê e para quê do adulto e seus conceitos, muitas vezes não cabem no interesse das crianças e mais ainda, talvez não seja tão indispensável quanto acreditamos. As crianças sabem que não sabem tudo. Isso não as angustia como à nós, mas antes, as estimula. O conteúdo é mais importante que a vivência cultural do sujeito? Que conteúdos aprendidos na escola guardamos da infância? A criança é naturalmente curiosa. Quando não sabe pergunta. Se não sabe ou não entende o que vê logo pergunta: O que é isso?
O que tentamos fazer na Educação Infantil é estimular o interesse das crianças sobre as coisas, é tentar provocar o espanto e a curiosidade, é procurar respostas no brincar para aprofundar questões que tenham significado para elas.  Quando o adulto impõe o que sabe em fórmulas de conhecimento esquece que tão importante quanto manter a curiosidade e provocar o espanto das crianças é não destruir nelas, esse desejo de curiosidade pela descoberta e também seu direito de expressar essa descoberta de forma única e pessoal. O mais importante talvez não sejam as respostas ou as explicações. O mais importante é a pergunta e a busca pelas respostas.

domingo, 1 de julho de 2018

A afetividade que constrói o humano


"Jamais pude dissociar o biológico e o social, não porque os creia redutíveis entre si, mas porque eles me parecem tão complementares, desde o nascimento, que a vida psíquica só pode ser encarada, tendo em vista suas relações recíprocas."(Wallon, 1951)

Henry Wallon coloca a afetividade como um dos aspectos centrais do desenvolvimento humano. A vida psíquica para Wallon é formada por três dimensões que estão integradas: motora, afetiva e cognitiva. Elas coexistem, interagem entre si e são dependentes uma da outra. A teoria de Wallon nos diz, que a criança nasce biologicamente preparada para se desenvolver cognitivamente e motoramente, mas é o meio que vai permitir que essas potencialidades se desenvolvam ou não. Esta é a essência da concepção dialética do desenvolvimento infantil.
Esse desenvolvimento não acontece de forma linear, porque a criança entra em conflito com os meios, com os sujeitos e consigo mesma. Portanto, o conflito, a emoção, o sentimento e a paixão fazem parte do desenvolvimento. A afetividade seria a primeira forma de interação com o meio ambiente, a motivação para o movimento. As emoções são a base para o desenvolvimento da inteligência. O movimento é fator importante para estruturar pensamento e linguagem. O movimento é expressão e a criança fala por ele. O movimento vai do sincretismo para a diferencialização. No início, as emoções são desordenadas e confusas, depois vão ganhando sentido próprio.
A criança, desde o nascimento é afetada por elementos externos: o olhar do outro, um objeto que lhe chama atenção, uma palavra, frase ou comentário que escuta, quanto por fatores internos; medo, alegria, fome, satisfação e responde a esses fatores. O conceito de afetividade não significa amor e carinho. Diz respeito à forma como o ser humano reage aos estímulos do meio: positiva ou negativamente. Mesmo antes de falar, a criança se comunica, se expressa e se constitui como sujeito. Aprendendo a imitar a criança vai construindo sua subjetividade.
Assim como Piaget, Wallon também divide o desenvolvimento em etapas, que para ele são cinco: impulsivo–emocional, sensório motor e projetivo, personalismo, categorial e puberdade e adolescência. Não há etapas rígidas e verdades absolutas na teoria de Wallon, no processo de aprendizagem dialético há possibilidades. O desenvolvimento dialético para Wallon jamais se encerra. É algo permanente na vida humana. Wallon não prioriza a inteligência e o desempenho na sala de aula, mas um desenvolvimento intelectual dentro de uma cultura humanizada, considerando o aluno como um todo.
Essa visão totalizadora possibilita a visão e a compreensão do aluno em todas as suas capacidades, abre caminhos para a construção do conhecimento também como um todo e para o diálogo da interdisciplinaridade no currículo, reformula a ideia de ensino dependente e à serviço do neoliberalismo e às condições de mercado, tornando a educação um ato político. Ao valorizar a afetividade Wallon valoriza a importância da relação professor aluno e a construção dessa relação.
Afetividade, emoções, movimento e espaço físico podem e devem se encontrar e coexistir na sala de aula e na escola. As atividades pedagógicas, os objetos, o ambiente convidativo e estimulador e a ação do professor são fundamentais para que a criança se desenvolva como um todo. Tudo que a escola é e faz pode afetar o desenvolvimento da criança, inibindo ou estimulando suas capacidades de desenvolvimento e aprendizagem.
No livro “Do Ato ao Pensamento”, Wallon nos acorda para a importância da afetividade em tudo que diz respeito à construção do sujeito e à construção do conhecimento, para o espaço, não apenas como ambiente físico, mas ambiente social cultural, comportamental e emocional : “O espaço não é primitivamente uma ordem entre as coisas, é antes uma qualidade das coisas em relação à nós próprios, e nessa relação é grande o papel da afetividade, da pertença, do aproximar ou do evitar, da proximidade ou do afastamento.” (WALLON, 1942)

REFERÊNCIAS:
DOMICIANO, Débora. Henri Wallon. You tube, abril, 2011. Encontrado em: https://www.youtube.com/watch?feature=youtu.be&v=8BN9RtRMdXE- acesso em: 10/06/2018.
FERREIRA, Aurino Lima. ACIOLY- REGNIER, Nadja Maria. Contribuições de Henry Wallon à relação cognição e afetividade na educação. Revista Educar n. 36, p. 21 a 38. Curitiba: 2010. Editora UFPR.
WALLON, H. Do ato ao pensamento: ensaio de psicologia comparada. Petrópolis: Vozes, 2008.