sábado, 28 de outubro de 2017

A pluralidade do brincar



[...] Constatada em determinado momento e sociedade, qualquer diferença é, ao mesmo tempo, um resultado e uma condição transitória. Resultado, se consideramos o passado e privilegiamos o processo que resultou em diferença. Mas ela é igualmente um estado transitório, se privilegiamos a continuidade da dinâmica, que vai necessariamente alterar este estado no sentido de uma configuração posterior (Semprini, 1999, p. 11)
O brincar é um processo histórico e cultural e foi através deste processo que meninos e meninas tiveram brincadeiras destinadas a eles. Brincando a criança experimenta situações e emoções, se estrutura, reconhece o outro e se reconhece, começa a se colocar no mundo e a se relacionar com este mundo. A história das brincadeiras das crianças foi sendo construída de acordo com a história e a cultura social. Não existe um brincar certo ou errado para meninos e meninas, mas existem convenções sociais do brincar, assim, brincar de boneca é considerado coisa de menina e brincar de carrinho é considerado coisa de menino, como se o brincar pudesse ser separado por gênero.
A cultura, a tradição e a sociedade reforçam e valorizam esta separação, rejeitando modos diferentes de ser, de agir e de pensar, mas quando falamos de crianças falamos de possibilidades, de mudanças, de novas formas de pensar e de agir. Por isso, mesmo conhecendo conceitos pré-estabelecidos, as crianças encontram um jeito de refazer, de fazer o não permitido e de viver o inusitado.
A cultura influencia o brincar e as decisões do brincar, mas não impede, não limita e nem proíbe novas formas de brincar. Desse modo, precisamos pensar sobre a utilização dos brinquedos pelas crianças, sobre nossas práticas educativas, os processos e as condições que estabelecem as possibilidades do brincar dentro da escola.
O texto “Educação na e para a diversidade,” nos diz que a escola tem o compromisso ético de colocar em debate as diferenças, tendo em vista a formação do sujeito para o convívio social nas e para as diferenças. O papel da escola é desenvolver nos sujeitos as noções de reciprocidade, pluralidade, experimentação e criticidade na perspectiva do bem viver potencializando os direitos humanos.
Nossa proposta de atividade foi criar um ambiente desafiador para provocar o diálogo, a crítica, a reflexão e o respeito pela diversidade no brincar. Para isso, montamos um ambiente diferente. As crianças foram convidadas a entrar embaixo de uma cabaninha de plástico transparente onde havia carrinhos e bonecas para escolha individual. A medida que iam entrando na cabana, cada uma escolhia um brinquedo. Quando um menino escolheu uma boneca e uma menina escolheu um carrinho foram alvo de críticas e comentários: “Tu pegou a boneca, mas tu é menino. Boneca é de menina.” “Carrinho é de menino.” No início, foi necessário intervir para garantir as escolhas diferenciadas. Valeu a pena. As crianças conversaram durante a brincadeira e desconstruíram limites para o brincar através da brincadeira e do diálogo. “ Eu sou menino, mas eu gosto de brincar de boneca também.” “Eu vou até levar a minha filha pra passear.” “Mulher também dirige ué.” “Eu posso ser a Frozen?”
                                       
                Bem viver é poder ser e brincar do que quiser.

REFERÊNCIAS:
GENRO, Maria Elly Hertz. CEREGNATO, Célia Elizabete. Educação na e para a diversidade.

domingo, 22 de outubro de 2017

Areal do Futuro

A interdisciplina de Questões Étnico Raciais na Educação: Sociologia e História reuniu mais uma vez nosso grupo Mafalditas: Angela Nunes, Franciely Fava, Kátia Del Fabro e Mara Barcellos para exercitarmos nossa capacidade de trabalho coletivo e criativo. A atividade  proposta é a criação de um roteiro para vídeo.

“São tudo histórias menino. A história que está sendo contada, cada um a transforma em outra, na história que quiser. Escolha, entre todas elas, aquela que seu coração mais gostar, e persiga-a até o fim do mundo.” (Caio Fernando Abreu)

Escolha do assunto: 
Depois de um breve diálogo, optamos pela sugestão da Mara. Nossa escolha, foi determinada não apenas pelo tema, mas pelo material que dispomos para o roteiro: fotos e imagens na internet, história divulgada em site, representantes conhecidos e pelas facilidades de acesso: Escola e Quilombo próximos e em área central, onde todas podemos nos encontrar.

Resumo da História:
Antigamente, o Bairro Cidade Baixa era considerado “terra de ninguém”, de bandidos, de malfeitores e de escravos fugidos. Foi nessa terra de ninguém que nasceu o Quilombo do Areal da Baronesa. As margens do Guaíba vinham até o colégio do Pão dos Pobres, onde encontravam as areias da beira do rio. A Baronesa do Gravataí (hoje nome da rua onde fica uma das entradas do Areal), era senhora dessas terras e essa é a origem do nome. Nesse reduto temido pela sociedade da época, nasceu uma comunidade de resistência e cultura negra que se mantêm até hoje. O que manteve a união da comunidade não foi apenas o pedaço de terra, mas a preservação da identidade quilombola e a resistência dos que moram ali. As crianças dessa comunidade, estudam nas escolas que cercam o Areal da Baronesa e são elas o nosso foco central do roteiro. Elas são o futuro do Areal e queremos mostrar rapidamente, como elas estão construindo esse futuro, mantendo a consciência de pertencer a um reduto quilombola e fazer parte dessa história.

Roteiro: O Areal do Futuro
Este é apenas um esboço do nosso roteiro, que pode mudar e ser alterado conforme decidirmos posteriormente. Queremos usar nossos cinco minutos da melhor forma possível e a história é viva, respira, fala por si.
Cena 1: Frase de impacto sobre resistência negra. Quem sabe, um trecho apenas escrito da música “Kizomba, a Festa da Raça” de Martinho da Vila:
Cena 2: Sobreposição de imagens/passado e presente alternados/ breve resumo da história do Areal. Provavelmente fotos e imagens de arquivo.
Cena 3: Depoimentos professores do Olintho, intercalado com depoimentos alunos. Relação entre alunos quilombolas e professores. Consciência negra. Identidade. Aprendizagem. Preconceitos. Diversidade. Singularidade. Diferença. Igualdade.
Cena 4: Imagens do Areal do Futuro em ação. O que significa o Areal do Futuro para os alunos negros? Depoimentos ou vídeo.
Cena 5: De volta para o Futuro ou De Volta para o Começo da História, que é a criação de um foco de resistência e luta da cultura negra.
Cena 6: Sobe música “Kizomba, a Festa da Raça”, intercalando imagens.
Cena 7: Fim. Frase: “Valeu Zumbi.” Congela na imagem mais impactante. Pode ser uma fusão ou brincadeira com o tempo.

Rápida Reflexão:
Pode parecer um roteiro longo e complicado para ser realizado em cinco minutos, mas nosso filme será montado em pequenos recortes que se costuram e se entrelaçam, assim como faz a própria vida, unindo cenas de nossas histórias.

quinta-feira, 12 de outubro de 2017

Sobre avestruzes, crocodilos e nós mesmos.

                       
                               Que crocodilos habitam o fosso do teu castelo?             
                                        
     Vivemos num mundo de diferenças e diferentes. Ninguém é igual a ninguém no planeta terra. Nem mesmo os gêmeos ou os animais clonados. Em outras palavras: Todo mundo é diferente. Se é assim, porque as diferenças do outro podem nos assustar tanto. O texto “Sobre crocodilos e avestruzes: falando de diferenças físicas, preconceitos e sua superação", de Lígia Assumpção Amaral nos fala sobre isso. As metáforas dos avestruzes e crocodilos utilizadas pela autora, nos levam a refletir sobre a complexidade da questão em nosso mundo. A escrita de Lígia nos acorda para a visão e o conceito que temos do diferente e nos faz perceber que o diferente não é aquilo que é, mas antes de tudo o que vemos e o que é vemos é limitado e limitante, se restringindo apenas à nossa observação rápida e centrada na diferença do indivíduo.
         Reflitamos sobre o que realmente é ser diferente? Porque diferente e deficiência são e tornaram-se sinônimos? Que preconceitos colaboram e atestam essa correlação? A autora conceitua como diferença significativa aquilo que entendemos como fora de padrões ideais de uma sociedade e de uma cultura. O texto criativo e ao mesmo tempo complexo, nos empurra o tempo todo para a reflexão sobre o amplo tratado da problemática do preconceito e do estigma do ser diferente num mundo conceituado e alicerçado na generalização. Pensar no outro pela diferença é limitar capacidades e aprisionar o diferente à uma única condição.  A incapacidade do outro torna-se o delimitador de suas capacidades. O preconceito contra o diferente habita em nós e se manifesta de diferentes formas e sentimentos.
     Generalizamos, odiamos, evitamos contato e contágio, nos compadecemos, correlatamos linearmente a dificuldade, compensando a diferença com a generalização de uma característica, qualificamos o indivíduo como incapaz, em eterna desvantagem, pré-conceituamos o sujeito pela sua característica e pela sua diferença. Como professores, nos tornamos repetidores da estigmatização do diferente e das diferenças. Quando nos compadecemos do diferente o restringindo ao merecimento da pena pelo que não pode realizar da forma como pretendemos, como se houvesse uma única forma de aprender. Quando negamos ao sujeito sua capacidade e seu direito de ser o que é e fazer o que pode fazer do seu jeito. Quando subestimamos a capacidade do aluno diferente e focamos no negativo, antevendo e limitando seu avanço. Quando evitamos confrontar falas e atitudes preconceituosas nos outros alunos e em nossos pares. Quando evitamos questionar e confrontar o preconceito que habita em nós mesmos. Quando deixamos a rápida visão cegar nosso olhar sobre o outro. Quando paramos de refletir.
        Não há uma solução pronta para acabar com todos estes preconceitos e ideias preestabelecidas do diferente, mas podemos contribuir para transformar essa visão das coisas que envolvem as diferenças com o nosso trabalho pedagógico, com o diálogo envolvendo a participação de toda a comunidade escolar, educando nosso olhar para ver além da diferença e refletindo continuamente na busca de soluções. Talvez assim, possamos acordar do pesadelo de nossos preconceitos e todas as espécies de conceitos, sentimentos e sentidos possam coexistir de outra forma: avestruzes, crocodilos e homens.   

REFERÊNCIAS:
AMARAL, Lígia Assumpção. Sobre crocodilos e avestruzes: falando de diferenças físicas, preconceitos e sua superação, de Lígia Assumpção Amaral

domingo, 8 de outubro de 2017

O Preconceito é Sólido

      "O lugar de vocês é no tronco. Negros fora! Fora Negrada!” 

                   Alemanha nazista na década de 30? Não! UFSM hoje!!!!
          
                  
             Quando se define Modernidade, a primeira palavra que nos vem à cabeça é razão. Ao entrar na Modernidade, o homem teria conceitualmente entrado na era da razão e saído da era da superstição, dos dogmas religiosos e da cegueira do conhecimento. Esse alicerce sólido na razão, nos daria e garantiria um mundo melhor, mas evoluído e mais lúcido. O homem teria assim, a garantia de uma sociedade melhor e mais justa. A modernidade foi e tem sido apontada como o lugar do novo, da tecnologia, um espaço de tempo para presente o futuro. Modernidade significa romper com o antigo e buscar o novo. A expectativa dessa Modernidade imaculada pela razão, naufragou e se desfez diante do homem e pela mão do homem que desencantado com a desigualdade social, as lutas de classes, o Holocausto e duas guerras mundiais deixou de apostar cegamente na razão humana e naquilo que considerava sólido e indestrutível. Tudo passa a ser questionável e passível de desconstrução em tempo considerado líquido, onde nada dura muito tempo, porque nada pode durar.
             No entanto, a história do homem é contínua, ainda que insistamos em dividi-la para compreender melhor os fatos. Sendo assim, vivemos num mundo considerado Pós-Moderno que é a Modernidade continuada, transformada em busca pelo novo mais uma vez. O Moderno e Pós-Moderno se misturam, se completam e se repelem também na educação. Essa educação, que hoje não pode mais ser vista e praticada de forma unificada e padronizada, mas de forma única e singular em sua pluralidade, diversidade e na identidade dos sujeitos que a constituem, onde o global e o individual não se separam, mas se completam, se procuram, se reinventam, se reconhecem e se descobrem. Sendo assim, a educação não pode mais ser só razão, mas deve ser antes de tudo, reflexão.
            Essa relação entre modernidade e educação é contraditória. Como educar para a reflexão, se as escolas continuam a educar para repetição do conteúdo e do pensamento único? Que educação é essa nossa em nosso tempo? Estamos caminhando na direção do novo, das novas formas de aprendizagem, do respeito ao sujeito, da diversidade, da singularidade e da igualdade das diferenças? Há poucos dias, um crime de racismo chocou a todos e em especial a nós, que trabalhamos com educação. Estudantes negros, do curso de Direito, da Universidade Federal de Santa Maria, foram vítimas de preconceito racial e foram violentados em seus direitos básicos, de ser, de existir e de estudar. Estamos falando de racismo, mas não de um racismo oculto e envergonhado, mas de um racismo orgulhoso, que se expõe, provoca, intimida, segrega o humano e dissemina a ideia de que existe uma supremacia branca. Os tempos são de Modernidade Pós-Moderna, mas a história se repete. O que aconteceu em Santa Maria é o mesmo que aconteceu na Alemanha Nazista quando milhões pereceram por serem judeus, ciganos, homossexuais ou diferentes de alguma forma, no Apartheid da África do Sul, na limpeza racial e religiosa da Guerra da Bósnia, na invasão chinesa do Tibet...
              Há algo errado na formação dos estudantes racistas da UFSM, estudantes de Direito, que deveriam defender o que é certo e direito. Não sei se a universidade está apenas buscando os culpados pelo crime cometido. Não é o bastante. É preciso conscientizar os estudantes de Direito e a comunidade universitária em geral. O racismo não cabe e não deveria caber, onde se ensina, aprende, vive e respira a diversidade. Estariam sobrando ferramentas tecnológicas globalizadas em nossa educação e faltando aulas de história e filosofia? Quanto vale a educação ou é por kilo? Que Vênus Negra é essa cor negra exposta? Que olhar é esse nosso, sobre essa educação do século XXI? Infelizmente, a Modernidade é líquida, mas o preconceito é sólido.
                                                         
                
                                                          
 Referências:
Texto: Um olhar sobre a educação moderna do Século XXI. Luciani Missio e Jorge Luiz da Cunha.
Filme: Vênus Negra. Abdellatif Kechiche.


domingo, 1 de outubro de 2017

Sementes de Aprendizagem


“O ser humano é o único capaz de apoderar-se do passado e apoderar-se do futuro, de fazer ciência e refletir. Porque então, ensinamos os humanos como se fossem animais quaisquer a serem domesticados?”                                                                (Fernando Becker)

O vídeo “Escola - Mais Laboratório e Menos Auditório”, com a palestra do professor Fernando Becker, nos fez pensar sobre a função e o objetivo da escola. Fernando Becker nos faz refletir sobre a escola que é e a escola que pode ser. Sobre nosso papel como professores. Sobre o que é mais importante ao educar, ensinar e aprender.
A escola auditório conjuga os verbos copiar e repetir, mudam os assuntos, mas não muda o jeito de ensinar e aprender que é copiando e repetindo, repetindo e copiando. O aluno é uma tábula rasa a quem cabe apenas aceitar o conteúdo que lhe é transmitido. Este aluno não pensa, não questiona, não reflete, não inventa, não transforma. O professor indignado com o retorno inexpressivo se frustra, torna-se carrasco, cínico ou inanimado.
A escola laboratório faz o oposto, conjugando os verbos interagir, indagar, experimentar, tentar, sentir, cooperar, descobrir, ultrapassar, transformar, refletir. O professor deixa de ser o transmissor do conhecimento, de ser o único a emitir conhecimento, de impor suas ideias e visão do mundo. Como resultado disso, este professor que dialoga, intervem e toma consciência de seu papel. Os alunos da escola laboratório são capazes de refletir, construir, compreender, transformar, inventar, experimentar, experenciar, descobrir. A escola laboratório é interpretação e descoberta e não repetição.
Quando aquilo que aprendemos na universidade se torna real na universidade e em nossa escola ao mesmo tempo, é como se todo o universo conspirasse a nosso favor. Ver a sua escola e a sua universidade tornarem real a escola laboratório é algo que emociona. Fomos celebrar com a EMEI Tio Barnabé, a chegada da primavera no planetário da UFRGS, que organizou atividades de confraternização, aprendizagem e celebração para as crianças. 
Celebrando o Equinócio da Primavera, viajamos pelas estrelas, entre constelações, que irão dizer que não foi miragem, não foi bobagem, festa do sol. Oficinas de ciências, natureza, sementes, vida, contação de história, infância. Sementes na terra, sementes em nós, sementes de aprendizagem, sementes de diversidade, sementes de primavera.

Referências: 
Vídeo: Escola - Mais laboratório e Menos Auditório. Professor Fernando Becker. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=xjfKBGIHPjs