segunda-feira, 30 de maio de 2016

O Brinquedo Como Objeto de Cultura

       
 
          
Estou relendo o livro Brinquedo e Cultura do filósofo e antropólogo francês Gilles Brougère, que deixa de lado os paradigmas psicológicos associados ao brinquedo e o mostra como produto de cultura. Brougère critica os modelos industrializados do brincar, mas também aponta para as possibilidades da brincadeira para a criança. Para Brougère, olhar para o brinquedo e se confrontar com o que se é ou, ao menos, com a imagem do mundo e da cultura que se quer mostrar a criança. O brinquedo é um objeto que traz em si uma realidade cultural, uma visão de mundo e de criança.

O brinquedo não é apenas um simples objeto. O brinquedo é uma expressão daquilo que se é e daquilo que se sente, do mundo que cerca a criança. O brinquedo é a forma da criança externar seus sentimentos, suas alegrias, suas frustrações... Atualmente, a quantidade de brinquedos é enorme e sua qualidade varia tanto no brinquedo artesanal quanto no brinquedo industrializado. A criança tem a sua disposição diferentes brinquedos fabricados com diferentes materiais. Há lugar para o brinquedo artesanal e para o brinquedo fabricado em escala industrial. As crianças escolhem os seus brinquedos e elas sabem o que querem. Os brinquedos mudaram e as crianças também. Mas a essência do brincar é a mesma.

A História não é única e linear. Existem povos que viveram processos distintos de desenvolvimento e que atribuem diferentes noções de família, adulto ou criança. Isso nos faz perceber que os significados e valores dados aos brinquedos e brincadeiras vão variar de acordo com o tempo e com o contexto. O que cada brinquedo significa para a criança vai depender de todo um conjunto de valores e características da cultura e da sociedade que cerca a criança. O valor e o significado do brinquedo dependem de muitos fatores: herança cultural, poder econômico, tradições de família... Esse significado também encontra apoio no tempo e no espaço: quando éramos crianças para nós, o importante era pular corda, andar de carrinho de mão, soltar pandorga, pular sapata, subir em árvore. Hoje as crianças têm brinquedos eletrônicos, bonecas que falam, carrinhos com controle remoto... Para elas as antigas brincadeiras também são importantes, mas não da mesma maneira que eram para nós.

       Se grande parte das crianças entra cada vez mais cedo  na escola, que lugar o brinquedo e a brincadeira assumem nesse contexto? Que papel devem assumir os profissionais que atuam na área da educação? Os educadores reconhecem a importância do brincar e do brinquedo na educação das crianças. Mas na escola o jogo infantil deixa de ser apenas uma maneira de brincar e pode ser usado como um recurso pedagógico. Brincar na escola continua sendo divertido, mas esse brincar pode ser usado de maneira criativa no processo da educação infantil.

     A preocupação com o lúdico, muitas vezes, se manifesta apenas pela quantidade de brinquedos disponíveis no acervo, sem se levar em conta os significados que esses objetos carregam. O acervo de brinquedos na escola, deve fazer parte de uma proposta pedagógica que envolva os adultos e as crianças. Os brinquedos não devem servir apenas para decorar prateleiras e enfeitar estantes. Precisam ter uma proposta que possa despertar o interesse da criança, respeitar as diferenças socioeconômicas e culturais e se as crianças brincam com o que têm nas mãos e com o que têm na cabeça, como diz Brougère, que a escola possa colocar em suas mãos e em suas cabeças, brinquedos que estimulem, que eduquem e possam transformar. Mas que o brinquedo não funcione como único objetivo, mas como vários objetivos e várias possibilidades.
  
http://revistaescola.abril.com.br/biblioteca-virtual/brinquedo-cultura-622522.shtml

 A brincadeira permite decidir, pensar, sentir emoções distintas, competir, cooperar, construir, experimentar, descobrir, aceitar limites, surpreender-se... Que nós possamos usar o brinquedo e a brincadeira em benefício da criança.  É como diz Kishimoto: “Toda criança tem necessidade de brincar, isto é uma característica da infância. A função do brincar não está no brinquedo, no material usado, mas sim na atitude subjetiva que a criança demonstra na brincadeira e no tipo de atividade exercida. A criança quando brinca e se satisfaz, traduz esse sentimento através de um sorriso. O brinquedo é sempre o suporte da brincadeira e a brincadeira é a ação que a criança realiza para concretizar as regras do jogo”.

         No link abaixo, uma coletânea de fotos que mostram crianças e suas brincadeiras ao redor do mundo. A criatividade da infância e as possibilidades do brinquedo e do brincar são infinitas.

http://awebic.com/cultura/32-fotos-tiradas-na-hora-de-criancas-brincando-ao-redor-mundo-27-e-mais-divertida/

domingo, 22 de maio de 2016

A Pergunta e o Conhecimento


A pergunta é o ponto de partida para o conhecimento. Por isso, perguntar, questionar e duvidar é tão importante. Perguntar abre uma ponte para o diálogo, para a discussão e para o entendimento. Perguntar provoca novas inquietudes, novos questionamentos. Gera conclusões, percepções, ideias, conhecimento. Na educação infantil os projetos nascem do interesse e das curiosidades das crianças, ou deveriam. Quando um projeto é feito sem que se aperceba da curiosidade e dos interesses dos pequenos, ele simplesmente não acontece. Ou naufraga por si só, as crianças perdem o interesse rapidamente, ou naufraga lentamente. É preciso sempre lembrar que como a criança é um ser vivo e transformador, o projeto também deve sofrer transformações. Pode e deve ser modificado ao longo do percurso. Não é algo estático, vive em constante movimento.
Perguntar e esclarecer dúvidas faz parte do processo de aprendizagem, mas perguntar não é tão fácil. Nem todas as crianças se sentem a vontade para fazer perguntas. Porque são tímidas, porque sentem vergonha e sofrem pressão por parte dos colegas, porque o professor não permite. Não tendo a liberdade para perguntar, muitas crianças simplesmente não perguntam.  No ensino fundamental começam a ocorrer serias dificuldades, porque a medida que a criança deixa de esclarecer suas dúvidas e entender o conteúdo das aulas dadas, ela acumula dificuldades de aprendizagem. Isso vale para todas as disciplinas. O silêncio sai caro para a aprendizagem.


segunda-feira, 16 de maio de 2016

Inclusão problema ou solução


A inclusão tem como base a certeza de que as diferenças caracterizam o ser humano e de que é impossível que existam seres humanos iguais. Entender o que é inclusão é aceitar que somos todos diferentes. Sendo assim, se cada aluno é único, singular e traz com ele uma história de vida, a inclusão não pode ser entendida como um processo de igualizar à todos, mas de respeito às diferenças. Parece maravilhoso e a ideia da inclusão é realmente incrível. No entanto, para que a inclusão signifique verdadeiramente estar com e interagir com o outro, é necessário que ela seja real e mais que um decreto de lei.
É preciso quebrar paradigmas, entender que a inclusão é um processo complexo e dinâmico, que requer mudanças nas práticas escolares, que precisa de apoio e recursos humanos e financeiros, a inclusão deve ser um projeto de toda a escola. É importante que tenhamos em mente que inclusão escolar não significa jogar jogar para dentro, mascarando preconceitos e deficiências de ensino com uma prática inclusiva de faz de conta, mas se formos esperar que todas as condições para a inclusão sejam ideais a inclusão nunca se tornará verdadeiramente real. A inclusão não vai ser, ela já é. Precisamos aprender com ela e construir juntos o que é e como deve ser a inclusão. No artigo A Inclusão Promove Justiça, da revista Nova Escola, a educadora Maria Teresa Égler Mantoan fala sobre o assunto: “Estar junto é se aglomerar com pessoas que não conhecemos. Inclusão é estar com, é interagir com o outro.”

domingo, 8 de maio de 2016

Surdo: Deficiente ou diferente?


Confesso que não sabia o que esperar da aula de LIBRAS. Além de não conhecer nada da língua  de sinais, eu nunca havia tido contato mais próximo com surdos.  Foi uma surpresa para mim o conteúdo da aula e a forma como a professora Bianca conduziu o assunto diante de uma plateia tão heterogênea. Preconceitos e pré-conceitos foram caindo por terra, incluindo o que eu acreditava “ser surdo”.

Ser surdo, nascer surdo, põe a pessoa numa situação extraordinária; deixa-a exposta a uma gama de possibilidades linguísticas e [...] a uma gama de possibilidades intelectuais e culturais que o resto de nós, como falantes naturais [...] mal podemos começar a imaginar. (SACKS, 1990 p. 135)

A grande maioria acredita que o surdo não fala porque não ouve. Sempre pensamos na fala com o sentido de produção do som. Os surdos podem produzir fala inteligível, basta estarem com seu aparato vocal intacto e passar por treinamento com profissionais fonoaudiólogos. Ser surdo não significa também ser mudo.
Como eu vejo uma pessoa surda? Dependendo do meu olhar, como um doente ou como um ser social. A surdez pode ser vista como deficiência  ou como uma diferença . 
Segundo o Decreto 5.626 de 22 de dezembro de 2005, em seu artigo 2º:
Considera-se pessoa surda àquela que, por ter perda auditiva, compreende e interage com o mundo por meio de experiências visuais, manifestando sua cultura principalmente pelo uso da Língua Brasileira de Sinais – Libras.
O surdo possui perda auditiva, mas somente isso não o define como sujeito.  A  pessoa surda é “aquela que compreende e interage com o mundo por meio de experiências visuais”. Sua relação com o mundo se dá de forma visual e sinalizada.
Quando a surdez é vista como uma diferença, na qual os sujeitos surdos fazem parte de uma comunidade linguística e culturalmente diferente, entendemos o surdo como alguém que possui identidade, um ser social. Que olhar eu tenho sobre alguém que é surdo? Vejo o surdo como um doente que precisa de cura ou como alguém que possui  identidade? 


segunda-feira, 2 de maio de 2016

A Literatura e as Diferenças

                   A Literatura está e sempre esteve ligada ao seu tempo. As relações da Literatura Infanto Juvenil com as diferenças sempre existiram, ainda que de forma menos explícita como nos contos de fada e nas fábulas com animais. As histórias sempre nos fizeram tomar partido de seus personagens, torcer por eles, sentir por eles, a favor ou contra eles. Os livros sobre as diferenças estão presentes nas bibliotecas das escolas. Sempre estiveram, para o bem e para o mal. Durante a Segunda Guerra Mundial, na Alemanha nazista, um dos livros mais vendidos para crianças e lido em sala de aula era O Cogumelo Venenoso (em referência ao judeus, considerados uma praga na cultura germânica).
                     Crianças na Alemanha nazista lendo "O Cogumelo Venenoso"              
                
               O mundo mudou. Não que o preconceito contra a religião, raça, cultura, economia, sociedade e com o diferente tenha terminado, mas hoje temos informação sobre a diversidade. Sabemos que o diferente é e está no mundo. Nossas bibliotecas escolares contém diversos gêneros literários sobre o assunto. A forma como as obras abordam a questão também pode variar. Por isso é importante não limitar as possibilidades da literatura para as crianças. Quanto mais variedade de estilos e temas sobre a diversidade forem oferecidos aos jovens leitores, maior será sua capacidade de questionar, de opiniar, de debater, de pensar e repensar sobre as diferenças. Quando exploramos diferentes situações literárias estamos mais próximo de atingir o maior número de "mundos" em nossa sala de aula. Pois conviver com os outros é conviver com as diferenças e conhecendo as diferenças ampliamos a relação com o outro e com o mundo. Com frequência, subestimamos a criança em relação a sua capacidade de compreensão sobre este e outros assuntos. A criança pode e deve ser educada para a cidadania. Isso significa respeitar o outro e sua singularidade. Quando a criança entra em contato com um personagem que lida e enfrenta sua diferença no mundo, ela entra em contado com seu próprio mundo e com suas diferenças dentro dele.

                                       
         Conversa com Ambayê (personagem do livro O Colecionador de Pedras)

              Quando fiz o projeto As Aventuras do Avião Vermelho na EMEI Marzico na Vila Cruzeiro, uma das coisas que mais me chamava atenção era a baixa autoestima de muitas crianças. A ideia de contar a história do patinho que se sentia tão triste por ser diferente, nasceu ao perceber o quanto as crianças sofriam com as diferenças. Porque não percebiam como o patinho feio, que nenhuma delas era feia, mas que todas elas eram e são diferentes. Foi assim que surgiu esta atividade. Depois de contar a história do patinho que virou um cisne, ofereci carimbos de patinhos para que elas fizessem cartões. Os cartões começavam resumindo a história do solitário patinho e terminavam na própria imagem (imprimi fotos das crianças para finalizar o cartão). Fizemos uma chamadinha com os cartões. Cada um que era chamado pegava outro cartão e chamava um amigo.Todas chegaram à conclusão de que ninguém é feio. Elementar meu caro patinho, digo, meu caro amiguinho.