sexta-feira, 31 de maio de 2019

Ressignificando o tempo e olhar


Em setembro de 2016 escrevi a postagem A História e o Tempo, falando sobre o poema “Marcas da Vida”, que é o prefácio para a pintura “A Grande Onda de Kanagawa”, do artista japonês Katshuhiko Hokukai, mais conhecida como “A Onda”.  A obra retrata uma enorme onda ameaçando barcos e pescadores, tendo como pano de fundo o Monte Fuji.
Hokukai recriou “A Onda”, mais de 30 vezes, nos mostrando que o tempo, mais do que história é sinônimo de vida e vida é sinônimo de possibilidades de criar, recriar, viver e olhar. Na postagem sugiro o exercício do olhar diário em nossas escolas, registrando cenários, brincadeiras, aprendizagens, descobertas e arquiteturas em tempos diferentes, de diferentes formas e ângulos. 
É um exercício que ressignifica o tempo, o espaço, nosso fazer e nossa forma de ver e pensar sobre o que estamos propondo e o que podemos propor, sobre o que estamos vendo e o que ainda não vimos, sobre o que é e pode ser.
Temos rotinas marcadas na Educação Infantil, mas todos os dias as crianças inventam criam, fazem de conta, jogam e arquitetam o brincar de forma inusitada. Nada se repete. Todos os dias são diferentes. 

Nas cenas registradas abaixo vemos Laura (Jardim A) arquitetando o brincar de maneira surpreendente. Preocupada com a filha “Laurinha”, que não conseguia dormir com o barulha na sala, ela criou um berço protegido, onde ao mesmo tempo o bebê poderia dormir e ela poderia conferir se a filha estava bem. Organizou as cadeiras, emparelhou e equilibrou as almofadas de maneira tão perfeita que me fez lembrar as pedras de Machu Picchu.








Tecidos Flutuantes

A proposta aqui foi a de criar um jogo que envolve-se arte, luz, sombra, dança, música e movimento. Dançar é uma maneira divertida para descobrir o potencial de expressão do corpo humano. Quando a criança dança, aprende sobre o desenvolvimento físico e as potencialidades do corpo em movimento. É uma forma diferente de linguagem e de expressão que também amplia as relações entre as crianças. Dançando a criança toma consciência corporal e entende que o corpo dela se relaciona com o movimento. Com a música a criança também aprende a sentir e expressar, se torna mais autoconfiante e ganha mais autonomia na sua relação com o outro e com o mundo. A música também toca áreas do cérebro que vão beneficiar o desenvolvimento de outras linguagens. Sentir e expressar musicalidade é fundamental. Brincar de luz e sombra, de claro e escuro, traz informações, possibilita a formulação de hipóteses e promove descobertas.
Ao entrarem na sala as crianças divididas em pequenos grupos foram surpreendidas pelo que viam na tela da parede: um tecido flutuante. Convidadas a escolher uma cor de voal  para dançar elas revelaram uma coreografia de descobertas que emocionam e surpreendem o observador. Descobrir que dançar é também uma forma de flutuar. Que o nosso pano também dança. Que nosso corpo pode dançar. Que é possível imitar o movimento do pano. Que podemos criar outros movimentos. Que a luz ilumina o espaço, o outro e à mim. Que o escuro precisa de luz. Que a sombra também revela. Que as cores se misturam e se confundem. Que a noite pode ser estrelada e ainda mais estrelada. Que o movimento pode ser lento e rápido. Que posso dançar com mais panos. Que posso desenhar com as sombras. Que posso desenhar no ar com a luz das lanternas. Que tenho uma sombra. Que posso ser pequeno e gigante. Que o silencio permite o som. Que a música é um convite para dançar. Que não há limites quando buscamos possibilidades. 
Com poucos recursos (um computador, um projetor, um pendrive, pedaços de tecido e lanternas foi possível realizar uma atividade prazerosa, rica e repleta de emoção). A postagem Educar para a Complexidade publicada neste blog em 2017, fala sobre o desafio do uso integrado das novas mídias na construção de uma nova escola. Quando falamos de tecnologias da educação estamos falando de uma mistura homogênea de tal forma que as ferramentas digitais, quaisquer que sejam: notebook, celular, tablete, louça digital, pendrive, projetor,caixas de som, vídeos, favoreçam a educação. Podemos, como nesta atividade combinar recursos. Segundo Zabala (1998): "ensinar para a complexidade é selecionar conteúdos, valendo-se de diferentes conhecimentos a partir do enfoque globalizador"




                                 

                                   

   



Referências:
ZABALA, Antônio. A Prática Educativa: Como ensinar. Editora ArtMed, 1998. 
FAGUNDES, L., MAÇADA, D., SATO, L.; Aprendizes do Futuro, As Inovações Começaram, MEC, 1999.
HERNÁNDEZ, Fernando - Transgressão e Mudança na Educação - os projetos de trabalho; Porto Alegre: ArtMed, 1998.
Projetos de Aprendizagem – Uma experiência baseada em ambientes telemáticos.Autores: Léa da Cruz Fagundes, Rosane Aragón de Nevado,Marcus Vinicius Basso, Juliano Bitencourt, Crediné Silva de Menezes e Valéria Cristina P. C. Monteiro

Comida Geométrica

           Utilizando frutas que faziam desenhos geométricos criei uma instalação que serviu como estímulo para o consumo de frutas entre as crianças e para trabalhar as formas geométricas. Sobre o papel alumínio estendido no centro da mesa, fiz esculturas de frutas. Em torno destas esculturas acrescentei figuras geométricas em madeira. Dividi as crianças em três grupos. A instalação precisou ser feita três vezes.

              As crianças não eram obrigadas a comer, nem a fazer esculturas com as frutas e nem mesmo a falar sobre geometria. Tudo aconteceu de forma natural. "Olha é um quadrado de laranja." "Mas a laranja é redonda." "Aqui é um sol de melancia." "Eu acho que é triângulo a melancia." "Eu posso só comer o triângulo?" "Tu quer comer melancia." "Eu vou fazer um redondo com a casca da laranja." "Eu fiz uma miniatura de triângulo de melancia." "Isso é um sol redondo de banana." "É um círculo." "É pra comer ou pra fazer quadrado em prof?" "Primeiro a gente come e depois a gente faz." "Bem legal essa comida." "Eu fiz um redondo que virou quadrado, que virou não sei, mas acho que tudo." "Eu vou fazer com a casca da laranja." 

           Relendo minhas postagens anteriores encontrei esta reflexão Espaço e Forma nos Anos Iniciais, feita em novembro de 2018, sobre o Ensino da Geometria nos Anos Iniciais. O texto fala sobre o aprendizado da Geometria e sua ligação com o desenvolvimento das habilidades da criança: de visualização, de raciocínio, de lógica, de aspectos físicos, de organização de espaço, de localização, de aplicar conhecimentos adquiridos, de generalizar, de analisar, de esquematizar, de inferir, de formular hipóteses, de deduzir, de refletir e de argumentar.

          Continuo acreditando que aprender Geometria é mais do que aprender conceitos e formato de figuras. É uma maneira de aprender sobre o mundo porque a Geometria está em toda a parte, na comida também.



Quanto Tempo o Tempo Tem

A EMEI Tio Barnabé adotou o Educandário São João Batista, instituição filantrópica, localizada no Bairro Ipanema, zona sul de Porto Alegre, criada em 1939 para atender crianças portadoras de Poliomielite. Hoje, o educandário atende  gratuitamente crianças e adolescentes com deficiências físicas múltiplas para promover a habilitação e reabilitação de crianças e adolescentes com deficiência, proporcionando-lhes tratamento adequado e educação, objetivando sua melhor qualidade de vida e capacitação como cidadão. Nossa forma de contribuir é separando tampinhas por cor com o "tampinha Legal": As tampinhas são vendidas por quilo revertendo em recursos financeiros que contribuem nas despesas de funcionamento da instituição. 




A proposta envolve dessa forma uma aprendizagem que inclui a solidariedade, o olhar para o outro e as crianças do Jardim A estão bastante envolvidas com esta questão porque sabem que existem crianças que dependem de nossa ajuda e colaboração. Elaborei um relógio de sol feito com papel alumínio, tampinhas, garrafas de cinco litros de água e tiras de papel colorido. O coelho da história da Alice está sempre apressado, correndo contra o tempo, pois para ele sempre é tarde. Quando viram o relógio, as crianças perguntaram pelo coelho e chegaram à conclusão de que ele não pode esperar para brincar com elas, mas será que foi ele então que deixou o relógio? 


                                                                   
                                                                                       


Cada ponta do relógio foi enchida por uma cor diferente de tampinha e e essa classificação por cor aconteceu com tanta rapidez e agilidade que ainda sobrou tempo para separar as tiras de papel colorido e organizar a sala, deixando tudo limpinho para nossa visita surpresa: Nada mais nada menos do que o Gato Sorriso, trazido pela professora Marta, Diretora de escola. Num piscar de olhos, o Gato Sorriso roubou a cena e já era tarde demais para o coelho. Quanto tempo o tempo tem? O tempo temo tempo do brincar, do carinho, do sorriso, da alegria de estar junto e descobrir a si mesmo, ao mundo e ao outro.


                                                                  



O envolvimento e alegria das crianças durante a proposta me fez recordar a postagem Quem tem medo de Matemática, publicada em abril de 2016. Me perguntava na época e ainda me pergunto: de que forma nós educadores podemos tornar o ensino da Matemática mais interessante e vivo para nossos alunos? Se é na Educação Infantil que tudo começa é preciso desafiar o pensamento da criança, dando oportunidades para que ela estabeleça relações entre os objetos, comparando-os, separando-os, ordenando-os por classificação e seriação. As crianças se interessam pela quantificação das coisas, especialmente quando é significativo para elas. O professor não pode esquecer que a criança aprende do seu jeito e  com lógica  própria. É fundamental que o professor aprenda a respeitar e interpretar essa lógica.



Referências:
KAMII, Constance. A criança e o número. Campinas: Papirus, 1984.
RANGEL, Ana Cristina S. Educação matemática e a construção do número pela criança. Porto Alegre: Artes Médicas, 1992.

Mapa das Almofadas

Dividi as crianças em pequenos grupos. Cada grupo recebeu um Mapa da Almofada. No lugar do tesouro teriam que encontrar suas almofadas. Foi extremamente interessante perceber como cada grupo se organizou e organizou essa busca. O primeiro grupo ficou com o mapa da casinha e rapidamente encontrou as almofadas seguindo o desenho do mapa, que representava não apenas  a localização final, mas uma pista importante: os túneis de concreto que estavam mapeados. Achando os túneis  o grupo encontrou a casinha. 



O segundo grupo discutiu bastante para que lado seguia: esquerda ou direita. Também pelo desenho sabiam que tinham de encontrar um trem, mas onde estaria este trem? As crianças lembraram que havia um trem no pátio do Berçário 1, visitado no início da semana. Seguindo a pista do portão de ferro também encontraram o que buscavam.

                                           




O terceiro grupo, foi o que mais discutiu para encontrar a solução de caminho. O líder do grupo sugeria seguir para as árvores do pátio do Berçário 2 porque o desenho mostrava uma árvore cheia de folhas. Já estavam quase seguindo esta orientação quando um dos exploradores percebeu que a árvore set ratava de uma bananeira. "Mas como tu sabe que é uma bananeira?" "Mas olha aqui: tem bananas no desenho. Tá vendo? É banana sim."  Todos concordaram e seguiram na direção da bananeira onde encontraram as almofadas e celebraram não apenas embaixo das folhas de bananeira, mas com uma deliciosa guerra de travesseiro. Interessante também foi ver o líder do grupo revendo o mapa para entender porque não tinham percebido antes o caminho certo a seguir: "Olha aqui a gente não viu a pista do brinquedão. Tem que prestara tenção no mapa né?"






O quarto grupo foi o mais unido da hora de resolver o destino. Sabiam que tinham de achar uma porta grande azul e sabiam exatamente onde ela estava. Em poucos minutos, chegaram até a porta de entrada da escola e dobrando na direção do jardim também desenhado no mapa comemoraram a conquista.






A proposta do "Mapa das Almofadas", fez com que eu retomasse a postagem Desenhar para Mapear, de outubro de 2016 onde falo sobre a importância do desenho para que as crianças aprendam sobre os espaços que as cercam e o mundo. Ensinar a ler o mundo é um processo que se inicia quando a criança reconhece os lugares e os símbolos dos mapas, conseguindo identificar as paisagens e os fenômenos cartografados e atribuir sentido ao que está escrito. 

De acordo com Castrogiovanni (2006): "Não é possível aprendermos sobre o espaço somente com figuras penduradas em sala de aula e com livros didáticos que apresentam conotações de locais específicos. A análise da realidade social através da escola só é possível quando respeitamos o imaginário, a fantasia, a identidade, a origem, as particularidades, inclusive as subjetividades de quem aprende."



Referências:
DOIN DE ALMEIDA, Angela. Do Desenho ao Mapa:Indicação Cartográfica na Escola. Ed. Contexto.
PASSINE, Elza e DOIN DE ALMEIDA, Angela: O Espaço Geográfico: Ensino e Representação. Ed. Contexto.