domingo, 10 de setembro de 2017

Preconceito e Autoestima

                           
            
            “A educação é um ato permanente.” (Paulo Freire)

Todos nós somos desafiados a trabalhar a questão do preconceito, do racismo, da desigualdade social, da não aceitação do outro e de si mesmo em nossas escolas.  Educar para as relações étnico-raciais é educar para as diferenças e para a diversidade. O respeito à cultura, a corporeidade, a estética e a presença do outro são fundamentais nesse processo.
Na turma em que trabalho, maternal 2, surgiram diversas situações envolvendo atitudes preconceituosas em relação a cor da pele, cabelo, beleza, feiura... Situações que revelaram para nós educadoras, não apenas o preconceito do outro, mas a baixa autoestima que algumas crianças têm de si mesmas... A desvalorização de si mesmo é social e cultural. De acordo com Gomes:
No Brasil, foi construído ao longo da história, um sistema classificatório relacionado com as cores das pessoas. O cabelo, transformado pela cultura como sinal mais evidente da diferença racial (...) nesse processo, as cores “branca” e “preta” são tomadas como representantes de uma divisão fundamental do valor humano – “superioridade” / “inferioridade”

O Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil (RCNEI, 1998) nos diz que a autoestima que a criança vai se desenvolvendo é, em parte, interiorização da estima que se tem por ela e da confiança da qual é alvo. O que fazemos em sala de aula, o que dissemos, o que propomos e o que ignoramos, silenciamos ou negligenciamos em torno dessa questão pode perpetuar preconceitos ou despertar a valorização das diferenças e da autoestima. 
Depois de discutir o assunto em nossa reunião de equipe, decidimos planejar nossas ações e atividades nesse sentido. Foi assim que nasceu a ideia de envolver as famílias na atividade que tem como objetivo a desconstrução dos preconceitos em relação à beleza e a valorização das diferenças que nos tornam únicos a todos nesse mundo. Cada criança recebeu um boneco de pano em tecido cru, de cor neutra, para junto com a família reproduzir a si mesmo.
Passados alguns dias, o retorno nos surpreendeu. Algumas crianças reproduziram nos bonecos de pano suas características de forma tão real que eram prontamente reconhecidos pela turma: “Mas tá igualzinha Ane. Nem precisava dizer que é tu.” “É o teu cabelo , tem cachinho Cauê.” “O boneco do Joaquim tem olho verde e tá gordinho. É ele.”  Outros não foram reconhecidos pela turma: “Mas Duda, esse cabelo não é o teu. Tá liso e o teu é crespo.” “Mas eu fiz chapinha na minha boneca para ela ficar bonita.” “Erick tu não é branco, mas o teu cabelo tá igual, que nem o do Neymar.”
Vale dizer aqui, que nenhuma das crianças negras pintou a pele do boneco para evidenciar sua cor, mostrando que temos muito caminho a percorrer e muito que trabalhar nesse sentido com as crianças e com as famílias.
Seria muito fácil fazer as crianças pintarem os bonecos da cor que nos faria sentir politicamente corretas e liberadas da situação problema, mas decidimos seguir em outra direção. A direção do fazer pensar, questionar, aprender, criticar, decidir,  escolher, mudar e transformar.
Por isso, os bonecos viraram chamadinha e são reapresentados diariamente na roda com elogios diários sobre a beleza e as diferenças de cada um: “O cabelo do Cauê tem cachinho, parece um anjo.” “O Erick tá lindo com essa roupa de jogador de futebol.” “O cabelo da boneca da Duda tá lindo, mas o da Duda é muito mais bonito.” A roda tem sido uma aliada na discussão e aprendizagens sobre nossas diferenças. “Tem cachinho grande e pequeno.” “Tem cabelo liso e crespo.” “Tem pele negra e branca.” “Tem pele mais clara e mais escura.”  “Tem cor de pele de um monte de jeito.” "Tem cabelo de todo o jeito." “Eu posso cortar meu cabelo e alisar.” “Eu também sou bonito.” “Todo mundo é diferente.” “Todo mundo é bonito.”


REFERÊNCIAS:


SECAD- Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade. Orientações e Ações para a Educação das Relações Étnico- Raciais. Brasília, 2016.

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