sexta-feira, 20 de dezembro de 2019

Infância e Tecnologia

Na postagem “Inovações Pedagógicas,” publicada em junho de 2018, escrevi sobre o tema educação e tecnologias. Acreditava e continuo acreditando que o desafio de trazer o novo e o uso da tecnologia de uma forma mais ampla e real em nossos projetos e planejamentos de atividades, nos faz sair de uma zona de conforto e impõe reflexões importantes sobre nossa forma de pensar o fazer pedagógico.

No entanto, percebi que em minha prática de estágio, voltei a cair em minha própria armadilha de despreparo em relação ao uso das TIC’s na Educação Infantil, porque também eu, como muitos professores das infâncias, durante muito tempo, não compreendi a importância e a amplitude das TIC’s na educação da infância:“Como trabalhar com tecnologias da informação sem ter computadores para as crianças?" - questionava.

Mas o uso das tecnologias da informação para a educação, não se resume ao uso de computadores ou na disponibilidade de computadores para todos. Fotografar, usar o celular, assistir vídeos, filmes, usar projetores, pendrives com música, inserir nosso fazer no tempo da criança, que é o tempo atual, com todos esses recursos disponíveis em maior ou menor quantidade na escola, é também permitir a conexão das crianças com o seu tempo.

Se a escola não pode estar à margem do tempo, nem tão pouco o professor. Negar à criança o uso de tecnologias às quais ela está familiarizada em sua história, realidade e cultura, significa negar o tempo e a realidade em que a criança está inserida. Significa negar ao sujeito sua capacidade e identidade.

Quando me permiti como professora, pensar nas TIC’s como algo que está ao meu alcance, com os materiais dos quais disponho cotidianamente, surgiram atividades criativas que trouxeram mais do que o novo, um respeito pelo olhar da infância e do tempo da infância como a proposta: "Pelo Olhar da Criação", inspirada na obra da artista plástica Lygia Pape :  "O Livro da Criação." Com apenas dois celulares e uma caixa de papelão com um olho para o mundo a proposta objetivou a singularidade do olhar numa reinvenção do tempo e da luz. Cada foto é a representação de um  olhar único e instransferível da criação.


                                   
                                                  O Livro da Criação 



                                             Uma caixa de papelão amarela 



                                                                 Um olhar único do mundo                                    

A fotografia é um fragmento do mundo, uma miniatura da realidade que todos podem possuir, como nos afirma Sontag: "Fotografar é apropriar-se da coisa fotografada. É envolver-se com uma certa relação com o mundo que se assemelha com o conhecimento - e por conseguinte com o poder. (...) A fotografia brinca com a escala do mundo, pode ser reduzida, ampliada, cortada, recortada e distorcida" (SONTAG, 1981)



REFERÊNCIAS: 

SONTAG, Susan. Ensaios sobre a fotografia. Tradução Joaquim Paiva. Rio de Janeiro. Arbor, 1981.

quinta-feira, 19 de dezembro de 2019

O Tempo da Criança

               Na postagem "Dançando na chuva" embasada no texto “Corporeidade: Uma complexa trama transdisciplinar, de Clézio Gonçalves, trago uma reflexão necessária sobre a essencial integração de todos os sentidos no processo de construção do conhecimento e também na estrutura das nossas emoções. 

            A reflexão diz da necessidade de autonomia para a infância, de liberdade do brincar, ser, existir e experenciar a vida,  do corpo como expressão de linguagem e sentido da criança. Se falamos em ter um olhar diferenciado para a infância, é necessário que tenhamos também um olhar diferenciado para o tempo da infância.
A criança tem um tempo diferente do tempo do adulto. A criança não opera com a ordem cronológica das coisas (passado, presente e futuro). Esse tempo do relógio como o conhecemos, vai sendo imposto para a criança por nós adultos e aos poucos ela vai tentando se adaptar a esse tempo. 

Como se dá o início do processo da construção do tempo no pensamento infantil e como a criança pensa e se coloca no tempo? Para lidar plenamente com o tempo é preciso compreender as formas de medição do tempo. O que querem dizer os números do relógio e qual o sentido do ciclo dos dias no calendário? A criança vivencia de forma intensa esse processo e embora não compreenda a medição exata do tempo ela o percebe, sente e vive intensamente.

O começo de construção do tempo para a criança acontece quando ela passa a perceber que os fatos acontecem em uma sequência e que têm uma duração (antes, agora e depois - passado, presente e futuro). O tempo para a criança pequena não está fora dela, no relógio de pulso, na parede ou na folha do calendário, mas dentro dela. É o tempo do que ela vive, sente, representa, imagina e quer ser. É um tempo do agora, do antes e do depois, mas sobretudo o tempo do quando, como traduz a poesia de Manoel de Barros:


Eu não amava que botassem data na minha existência. A gente usava mais era encher o tempo. Nossa data maior era o quando. O quando mandava em nós. A gente era o que quisesse só usando esse advérbio. Assim, por exemplo: tem hora que eu sou quando uma árvore e podia apreciar melhor os passarinhos. Ou: tem hora que eu sou quando uma pedra. E sendo pedra eu posso conviver com os lagartos e musgos. Assim: tem hora que eu sou quase um rio. E as garças me beijam e me abençoam. Essa era uma teoria que a gente inventava nas tardes. (Manoel de Barros, – Memórias Inventadas: a infância, 2005).


        A poesia de Manoel de Barros nos fala deste tempo da infância que é o tempo do quando, mas como conciliar na Escola de Educação Infantil, o tempo do quando com o tempo da realidade escolar? Como encher de quando, o tempo que já está cheio com o tempo da rotina? O tempo do quando e o tempo do relógio da escola são opositores um do outro? O quando e a rotina escolar podem coexistir sem perda alguma para ambos? 

REFERÊNCIAS:

BARROS, Manoel. Memórias Inventadas: A Segunda Infância. São Paulo: Planeta, 2005. 





Teorias que confrontam e dialogam


         Chegando agora no momento de conclusão do curso, não há como não lembrar de momentos importantes de aprendizagens significativas que tivemos neste percurso do PEAD. Entre eles, destaco a primeira aula da interdisciplina de Linguagem e Educação, mencionada na postagem “Teorias da Linguagem”, de 18 de março de 2018. Nesta publicação, descrevo dúvidas sobre as teorias da aquisição da linguagem, que eram compartilhadas com quase todas as colegas do curso de Pedagogia.

       Dúvidas que foram sendo esclarecidas ao longo da interdisciplina, em significativas aulas presenciais, nas postagens de tarefas, onde compartilhamos nossas descobertas sobre o assunto e principalmente pelos excelentes textos colocados à nossa disposição para estudo. Entre eles, o artigo “Aquisição de Linguagem”, de Samanta Demétrio da Silva, onde a autora faz uma revisão histórica e conceitual sobre as teorias da aquisição da linguagem e suas contraposições.

         São teorias que se contrapõem e acabam por dialogar porque ainda que se antagonizem são complemento uma da outra. De tal forma que ao finalizar a leitura podemos concluir com a autora, que nem fatores inatos, nem fatores adquiridos parecem determinar, por si só, a aquisição da linguagem: “A abrangência e a complexidade que envolvem a aquisição da linguagem ultrapassa as especificidades e as simples definições de teorias e conceitos”(SILVA, 2010).

         Skinner autor da “Teoria do Behaviorismo”, nos diz que a aprendizagem da linguagem acontece  por condicionamento provocado pela imitação, pelo estímulo, pelo reforço e pela resposta. A criança é um receptor passivo da linguagem. Para ele, a linguagem é questão de aprendizagem.

      Chomsky, autor da “Teoria do Inatismo” confronta Skinner e afirma que a língua é propriedade inata do cérebro. É desenvolvida por instinto e não aprendida. Desabrocha na criança mesmo quando exposta a um ambiente precário. É uma teoria nativista, nós nascemos com a capacidade de desenvolver a linguagem.

      Para Piaget, autor da “Teoria do Construtivismo”, o pensamento aparece antes da linguagem.  A linguagem é dependente do desenvolvimento cognitivo. A linguagem aparece com a fala. Depende de conhecimentos prévios e dos estágios de desenvolvimento. A linguagem aparece quando a criança for capacitada para tanto.

       Enquanto Piaget privilegia os estágios de desenvolvimento para capacitar a linguagem, Vygotsky nos diz que pensamento e linguagem estão relacionados desde o nascimento. Para Vygotsky, a linguagem é um processo tanto pessoal quanto social, sendo resultado da interação do sujeito com o ambiente e o convívio, onde o significado é a chave deste processo. Pensamento e linguagem estão relacionados desde o nascimento.

    Vygostky questiona a “Teoria do Mentalês Universal”, de Pinker, que acredita que a língua é fruto do pensamento universal, não sendo apenas produto cultural, mas produto do instinto, onde são importantes hereditariedade e meio ambiente.

      A “Teoria da Psicologia Cognitiva”, de Stemberg sobre o “Cognitivismo Construtivista,” vem para dizer que afinal, a linguagem é fruto, tanto das capacidades inatas, como das adquiridas.

     Mas é Wallon quem traz a afetividade como elemento chave para a criança aprender e desenvolver a linguagem e outras capacidades. Sua teoria é dialética pois entende que a criança aprende por completo. A aprendizagem acontece como um todo: motora, cognitiva e afetivamente. A emoção é a primeira linguagem da criança. O movimento também é linguagem.


REFERÊNCIA:

SILVA, Samanta Demétrio da. Aquisição da Linguagem. WEBARTIGOS, Porto Alegre, p. 01-12, 2010.



Ferramenta Poética


             A postagem “Contação de História”, escrita em 30 de setembro de 2018, registra um momento muito especial vivenciado por mim na EMEI Tio Barnabé, onde trabalho há cerca de 5 anos. Na semana da criança, fui convidada para fazer uma contação de história em todas as turmas da instituição: Berçários 1 e 2, Maternais 1 e 2 e Jardins A e B. Para contemplar à todas as faixas etárias da Educação Infantil decidi escolher o livro Bruxa Bruxa venha à minha festa, de Arden Druce. Para contar a história, escolhi elementos concretos que surpreenderam as crianças. Sendo assim, o espanador de pó virou o chifre do unicórnio, meu xale eram os braços do espantalho, duas estrelas brilhantes eram os olhos da coruja...

           Este ano, fui convidada pela professora do Berçário 1, Michelle Monsú, que assistiu minha apresentação no ano passado, a contar novamente a mesma história para uma nova turma de bebês no “Sarau para Bebês”, organizado pela equipe do Berçário 1, para os bebês e suas famílias. Aceitei o convite, não apenas porque adoro contar histórias, mas porque achei inusitado um “Sarau para Bebês’. Desta vez, escolhi novos elementos para representar os personagens, uma gravata para fazer a cobra, um pedaço de tule branco para ser o fantasma, uma chaleira para o tubarão e uma espada empunhada na cabeça para o unicórnio.

                                      
                                                  Quando a gravata vira cobra

      Foi um momento poético surpreendente e inesquecível na escola. Alguns pais realmente se emocionaram, tamanho envolvimento e dos pequenos com os elementos personagens que surgiam diante deles. As crianças têm necessidade de tocar, sentir e experimentar sensações durante a contação, mas os adultos também entraram dentro da história surpreendidos pelos elementos criativos da contação.

         A contação de histórias é uma ferramenta indispensável para encantar e conquistar futuros leitores. É também o primeiro passo para que a criança encontre na leitura um espaço para relações de memórias e afetos, além das possibilidades criativas. Entre todas as ações do cotidiano que vivencio na Educação infantil, a contação de histórias é para mim a mais prazerosa. Um momento mágico, de encantamento que contagia adultos e crianças:


Chegaram ao seu coração e à sua mente, na medida exata do seu entendimento, de sua capacidade emocional, porque continham esse elemento que a fascinava, despertava o seu interesse e curiosidade, isto é, o encantamento, o fantástico, o maravilhoso, o faz de conta. (ABRAMOVICH, 1997, p. 37).


REFERÊNCIAS:

ABRAMOVICH, Fanny. Literatura infantil: gostosuras e bobices. São Paulo: Scipione, 1997.

A percepção do outro e do mundo do outro

Na postagem A Emoção no Cotidiano Escolar, publicada em novembro de 2018, falei sobre a necessidade da emoção no cotidiano escolar. Não apenas da emoção que nos toca o coração, mas na necessidade de perceber o outro e de encontrar o universo do outro. Emocionar-se no cotidiano escolar é dar sentido ao que fazemos na escola.

É preciso olhar e ver o outro e sobretudo, criar uma ponte de comunicação com o outro. O professor precisa conhecer seu aluno para além do cognitivo. A criança vai para a escola e precisa ter alguém que a ame, em quem ela confie e que saiba respeitar sua autonomia, para que possa ser ela mesma. As crianças devem sentir que podem contar com o professor.

O professor (educador) obviamente precisa conhecer a criança. Mas deve ser conhecida não apenas na sua estrutura biofisiologica e psicossocial, mas, também, na sua interioridade afetiva, na sua necessidade de criatura que chora, ri, dorme, sofre e busca constantemente compreender o mundo que a cerca, bem como o que ela faz na escola (SALTINI,1997, p. 73).

Segundo Wallon, a emoção liga a vida orgânica à psíquica, ligando a aprendizagem ao desenvolvimento integral da pessoa. A ação da escola não se limita ao cumprimento da instrução, mas, principalmente, a função de desenvolver a personalidade da criança. “[...] A emoção deve ser entendida como uma ponte que liga a vida orgânica à psíquica [...] É o elo necessário para a compreensão da pessoa como um ente completo” (WALLON, 1963, p. 12).

REFERÊNCIAS:

GALVÃO, Izabel. Henri Wallon: uma concepção dialética do desenvolvimento infantil. 18. ed. Petrópolis (RJ): Vozes, 2008.

SALTINI, Claudio J. P. Afetividade e inteligência. Rio de Janeiro: DPA, 2002.
                                               

sábado, 30 de novembro de 2019

Uma nova escola é possível

Na interdisciplina de Didática, Planejamento e Avaliação fomos convidados por alienígenas para criar uma escola em outro planeta que originou a postagem "Uma Nova Escola". A proposta do exercício nos fez refletir sobre as escolas que temos em nosso planeta e sobretudo em nosso país e no nosso próprio cotidiano escolar. Criamos uma escola nave, que nos levaria aos locais de aprendizagem e onde não haveria limites de tempo, assunto, nem preconceitos. No primeiro momento parecia mesmo ser coisa de outro mundo pensar uma escola assim: Os alunos não são robôs; O tempo é relativo e não senhor de escravos; Os tempos são mutantes e não inflexíveis; O currículo está sempre em movimento e não é imutável;  As disciplinas não brigam entre si, mas conversam; O aluno tem voz no planejamento; A avaliação não se baseia em notas e conceitos; Existe verdade democrática; Os espaços de aprendizagem não se limitam à sala de aula; São aceitos alunos todos os tipos de aluno; não existe discriminação; A Pedagogia é real e não lenda.
Mas descobrimos que existem aqui mesmo, no planeta Terra, escolas assim: a  Escola da Ponte em Portugal e a Escola Aberta de Paraty, no Rio de Janeiro, são apenas dois exemplos de que uma nova educação é possível. Hoje não penso mais  em escolas de outro mundo, de outro estado ou de outro país como sendo ideais distantes. Tenho aprendido diariamente que a escola é o aqui e o agora, que podemos transformar nossas práticas e que isso não depende apenas do mundo, mas também e sobretudo de nós e de nossas escolhas. A reflexão é o primeiro passo para a reinvenção.
No entanto, continuo acreditando que a educação tem que dar asas aos seus alunos sem que eles precisem entrar numa nave espacial... Ensinar não é subjulgar e medir intelecto. Educar não pode significar entristecer a vida, o professor e o aluno. Está aí o nosso maior desafio: Acreditar que uma outra educação é possível e fazer o possível para que ela se torne realidade. 

Referências:

As flores de plástico não morrem


Em outubro de 2017 fiz a postagem “Sementes de Aprendizagem", onde uso uma visita da EMEI Tio Barnabé ao Planetário, como pano de fundo, para falar sobre as diferenças entre a escola auditório e a escola laboratório, tema da palestra do professor Fernando Becker “- Escola – Mais Laboratório e Menos Auditório”, sobre a função e o objetivo da escola.
A escola laboratório conjuga basicamente os verbos repetir e copiar. Neste modelo de escola, que infelizmente se repete continuamente, o aluno se torna incapaz de pensar, decidir, transformar, questionar, inventar, decidir e refletir.
A escola laboratório ao contrário conjuga diferentes verbos e possibilidades: interagir, indagar, sentir, cooperar, descobrir, construir, compreender, experenciar, tentar, ultrapassar, transformar e refletir. A escola laboratório é descoberta e não repetição.
A postagem também é uma reflexão sobre o papel do professor, que pode escolher: ser um mero transmissor de conhecimento ou um professor mediador e reflexivo. O professor precisa saber que verbos pretende conjugar com seus alunos.
A reflexão me fez lembrar de uma música dos Titãs “Flores”, cuja letra diz que“as flores de plástico não morrem”. Não morrem porque não são de verdade, porque não se arriscam. Não se arriscam porque não têm vida. Para termos uma educação de qualidade é preciso arriscar.


Referências: 
Vídeo: Escola - Mais laboratório e Menos Auditório. Professor Fernando Becker. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=xjfKBGIHPjs